quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A TRANSIÇÃO PARA O FEUDALISMO



Anderson, Perry. Passagens da Antigüidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 2004.


Cláudia Coelho, Elane Carvalho, Hermas Caiuby



Faremos, a seguir, um resumo do capítulo 1 – Antigüidade Clássica, da primeira parte do livro acima citado, com as opiniões e interpretações do autor a respeito da civilização greco-romana e das transformações econômicas e sociais na Europa Ocidental durante o declínio e a queda do Império Romano.
A distinção existente entre Europa Ocidental e Europa Oriental ficou consolidada na historiografia moderna a partir da época pós-clássica, com o advento do feudalismo, diferenciando as sociedades existentes no continente com a exclusão dos eslavos do Leste, cujas condições econômicas seriam objeto de estudos em separado.
Os antecedentes do modo de produção feudal foram o modo de produção escravo e os modos primitivos dos invasores bárbaros germânicos adaptados às novas regiões por eles conquistadas.
A economia escravagista, criada com maneiras próprias pelo universo greco-romano, foi a importante base para suas tantas ações e idéias avançadas, bem como para o seu colapso final. As cidades-Estado gregas foram que primeiro implantaram uma maneira sistemática de escravidão absoluta, considerando o trabalho uma iniqüidade para o ser humano. No Império Romano, a classe dominante repudiava o trabalho sob qualquer forma, mesmo as funções tipo executivas, delegando a escravos, também, os serviços administrativos.
Beneficiada pelo Mediterrâneo, a civilização clássica foi colonialista, com cidades-Estado nas regiões litorâneas, as quais centralizavam a população rural ao seu redor. Os escravos, adquiridos pelas guerras de conquistas, liberavam do trabalho no campo os cidadãos, que, assim, podiam participar ativamente dos negócios de Estado e do exército em novas batalhas para mais aquisições de escravos.
As cidades-Estado helênicas já existiam anteriormente à época clássica, não sendo deixada disponível nenhuma fonte escrita desse período. Após a destruição da civilização micênica, veio a Idade das Trevas, retratada somente pelos poemas homéricos e foi na época seguinte, da Grécia arcaica, que a evolução urbana começou com seus primeiros passos. Monarquias foram derrubadas e o domínio das aristocracias consolidou-se. A evolução das cidades-Estado para sua forma clássica foi gradativa e em diferentes velocidades conforme a região. Fases intermediárias com tiranos no poder trouxeram avanços na legislação e nos exércitos. Entretanto, a escravidão implantada de maneira extremamente volumosa, onde o número de escravos chegava a ultrapassar o de cidadãos, foi essencial para a grande escalada da civilização clássica grega.
Sem o trabalho escravo, não existiria o ócio dos cidadãos livres em Atenas e Esparta, para os avanços do modo de vida urbano. Foi pelo ócio que subiu a patamares tão altos as artes como o teatro, literatura, escultura e arquitetura, a filosofia com seus diversos ramos do conhecimento, a política, a democracia participativa, o voto, a economia, a retórica, o debate, a administração. O preço de um escravo era muito baixo, possibilitando de possuí-los até aos camponeses e artesãos mais pobres.
No século V a.C. generalizou-se entre as cidades-Estado gregas um padrão político que consistia em um Conselho menor que propunha os assuntos a serem decididos e votados por uma Assembléia maior. As variações na composição de cada um desses órgãos definiam o grau de democracia ou oligarquia da cidade. Os primeiros registros de entidades democráticas na Grécia clássica são da cidade de Quios, no século VI a.C.. Em Atenas, com as reformas de Sólon e uma legislação deixada por Clístenes, acabando com diferenças tribais e ampliando o poder da Assembléia popular, ficou praticamente consolidada a democracia participativa.
No início do século V a.C., após tempos de incessantes conflitos entre as cidades-Estado e depois da vitória contra os persas, a era de Temístocles e Péricles trouxe a possibilidade de unificação da península balcânica com o aumento vertiginoso do poder ateniense. A Liga de Delos, criada para combater os persas, era formada por cerca de 150 cidades que pagavam um tributo ao tesouro central situado em Atenas. Essas cidades eram proibidas de manter frotas, ficando assim dependentes de proteção. O tesouro financiou diversas obras estéticas na cidade, inclusive o Partenon. Na península Ática existiam as mais produtivas minas de prata da Grécia, que chegaram até a financiar a frota ateniense que derrotou os persas na batalha de Salamina e tornou possível a circulação de moedas em um sistema monetário que trouxe um grande desenvolvimento comercial para Atenas. Unindo ainda a isso para a formação desse Império Ateniense, o fato de inexistência, nessa época, de conflitos sociais, com poucas grandes propriedades, diversificadas em pequenos lotes, sem um latifúndio localizado num mesmo lugar.
As cidades da Liga de Delos, sob o domínio de Atenas, foram obrigadas a adotar o sistema democrático de governo, o que causou revolta das oligarquias dominantes. A Liga Espartana reunia cidades numa confederação de oligarquias. Acrescido isso ao temor pelo poder acumulado por Atenas, foi desencadeada a Guerra do Peloponeso, a qual necessitou de ouro dos persas para financiar uma frota espartana. E, finalmente, Lisandro derrubou o Império Ateniense.
Nunca mais as cidades gregas tiveram a oportunidade de uma unificação na península balcânica.
A Macedônia, atrasada, arcaica, é que formou um império, inicialmente com Filipe II dominando totalmente as cidades gregas, com o uso de técnicas militares diferentes. O Império Macedônio, ocupando o espaço entre o Adriático e o Índico, ficou dividido, após a morte prematura de Alexandre, entre seus generais. Construiu um sincretismo assimilando a cultura grega e padrões asiáticos, produzindo, assim, a civilização helênica. As conquistas de Alexandre não eram seguidas de escravização, a qual nunca foi economicamente importante no Oriente Próximo. Rodes, Antióquia e Alexandria formaram um eixo centralizador do comércio.
Esse eixo sofreu um deslocamento geográfico em seu centro de gravidade após a ascensão de Roma.
Com um início monárquico, Roma tornou-se uma República, dominada pelo senado, constituído por uma nobreza hereditária de clãs de patrícios.
Em 366 a.C., plebeus enriquecidos formaram o Tribunato da Plebe, com o objetivo de proteger os pobres. Na polarização social da propriedade da terra, os assentados formavam a infantaria das legiões e morriam aos milhares. Os proletários aglomeravam-se nas cidades, sem propriedade, oferecendo ao Estado somente os filhos, a prole. No interior, vastos domínios dos nobres, enquanto as cidades tinham uma massa proletarizada. A distribuição pública de cereais substituía a distribuição de terras.
A escravidão, em Roma, era o modo de produção organizado. Roma estava atrelada à escravidão sem possibilidades de qualquer outra alternativa que não causasse o risco de dissolução do Império.
A aristocracia senatorial fez fortunas com os saques pelo Mediterrâneo, enquanto os legionários recebiam um vil pagamento e eram sumariamente demitidos. Isso causou um desvio na lealdade militar, do Estado para o general que distribuía benefícios.
O populacho, antes manipulado pelos nobres contra os reformadores agrários, no século II a.C. escapou à tutela senatorial e demonstrou um grande entusiasmo por César em sua entrada triunfal em Roma, para tornar-se ditador.
Após o assassinato de César e a ascensão de seu sobrinho Augusto, a República foi definitivamente sepultada em Roma. Iniciava-se o Império, onde Augusto César foi capaz de reunir a ralé urbana em desespero e os camponeses cansados do domínio de poucos que faziam parte da elite dominante. Lotes de terras eram dados aos soldados desmobilizados e cereais distribuídos à população. “Pão e circo.”
Com Trajano ocorreu o encerramento final das fronteiras imperiais., ocasionando a seca do poço de cativos de guerra que eram a base de sustentação do Império. A renovação de escravos passou a exigir um desembolso pesado demais. Não havia casamentos e o índice de reprodução era baixíssimo devido à maioria de machos. Nem a população rural livre aumentava e a invenção de moinhos pouco ajudou na produção.
A crise no sistema econômico e social, no século III, provocou inflação, guerras civis, invasões estrangeiras e ataques nas fronteiras. Roma teve de sofrer uma reforma em suas fortificações e houve escassez no abastecimento.
Entre o século III e o IV a segurança foi restaurada. O cristianismo passou a ser a religião oficial e uma burocracia clerical juntou-se ao já sinistro aparato secular do Estado. Constantino ampliou bastante o exército, sobrecarregando o Império. Acréscimos militares, políticos e ideológicos suplementares na superestrutura já existente, causaram um retraimento da economia e inverteu o relacionamento centro-periferia. As cidades decaíam por falta de fundos públicos ou investimentos privados, artesãos saíam das cidades, buscando segurança e emprego nas propriedades dos magnatas do campo. Aconteceu a ruralização do Império.
Os proprietários de terras deixaram de se ocupar da manutenção dos escravos, colocando-os em pequenos lotes para cuidarem uns dos outros.Era a servidão dependente do solo, onde as propriedades dividiam-se em explorações nucleares, trabalhadas com o braço escravo ainda, porém, com uma enorme quantidade de camponeses inquilinos ao redor. Os grandes proprietários passaram a patrocinar aldeias de pequenos proprietários e rendeiros livres para proteção contra as arrecadações fiscais e o recrutamento pelo Estado.
“Colonus” foi o nome dado a esse tipo de rendeiro dependente, amarrado à propriedade de seu senhor.
GUERRA MESSIÂNICA E CONFLITOS SOCIAIS:
UMA ANALISE SOBRE O CONTESTADO (1912-1916)



Elane Carvalho
Milena Correia



RESUMO

Este artigo trata do conflito que ocorreu na fronteira entre Paraná e Santa Catarina, uma região contestada pelos dois estados. Ali vivia um grande número de sertanejos sem-terras, que estavam sob a dura exploração dos fazendeiros e de duas empresas norte americanas, a Brazil Railway Company, que por meio de um contrato firmado com o governo federal recebeu terras para a construção de uma ferrovia, e a Southern Brazil Lamber and Colonization, uma empresa de extração de madeira. Com o final da construção da estrada de ferro o desemprego aumentou e cresceram as desavenças. Os sertanejos eram muito religiosos, e ao longo dos anos eles encontraram apoio nos monges que durante anos viviam peregrinando pelo sertão pregando a palavra de Deus e ajudando os mais necessitados. Sob a liderança do monge José Maria os sertanejos revoltados organizaram comunidades com leis próprias ignorando assim a autoridade do governo. Toda essa mobilização não foi vista com bons olhos pelo governo federal, travando-se então uma longa batalha.



Palavras-chave: República Velha; Messianismo; Povo.



A Guerra do Contestado foi resultado de um período da história (1912-1916), em que, semelhante a outros graves momentos de crise, interesses políticos, econômicos e religiosos se entrelaçavam.

Paraná e Santa Catarina não tinham seus limites definidos, isso era motivo para desavenças entre as duas províncias. Com a proclamação da República as disputas se acirraram ainda mais. Em 1900, o governo catarinense insatisfeito com a decisão que o império havia tomado de conceder ao Paraná a administração das terras que ficavam a oeste do rio Peixe, decidiu por entrar com ação judicial no Supremo Tribunal Federal, reivindicando a posse da área. O tribunal, em 1904, decidiu a favor de Santa Catarina. No entanto, o governo paranaense inconformado, embargou a decisão, mas acabou não tendo êxito, aumentando assim o impasse. (THOMÉ, 2004).

Em meio às disputas territoriais, começava a ser construída a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do Sul. A responsável pela obra foi Brazil Railway Company, de propriedade do norte-americano Percival Farquhar. Como forma de pagamento, o governo Federal deu à empresa uma área de trinta quilômetros, rica em madeira. Isso acabou por trazer sérios problemas à população que ali vivia. Sendo terras devolutas e não tendo título de propriedade, os sertanejos não puderam continuar no solo. Desolados sem terem para onde ir, muitos insistiam em ficar, o que acabou por provocar a ira da Brazil Railway. Como afirma Nilson César Fraga:

Aos posseiros que ousavam se opor as medidas de despejo, a Brazil Railway enviava elementos de seu corpo de segurança, que contava com 200 homens armados .

Essa citação nos ajuda a pensar que a empresa não mediu esforços para expulsar os sertanejos das terras. Não lhes restaram outra opção senão ir à procura de um novo lugar em busca da sua sobrevivência.

Com tantas terras em mãos, e sendo estas ricas em araucárias, madeira de grande valor comercial, a companhia viu logo a possibilidade de lucrar. Assim criou a Southern Brazil Lumber and Colonization, uma madeireira responsável pela comercialização da madeira. A Lumber logo que foi fundada comprou uma enorme porção de terras como ressalta Nilson Thomé:

[...] De paranaenses, a empresa adquiriu milhares de hectares de terras, cobertas pela floresta de araucária, utilizando métodos fraudulentos, pois parte dos títulos expedidos pelo Paraná continha registros em duplicata em Santa Catarina: ambos transferiram imóveis como terrenos devolutos a fazendeiros e políticos de cada estado .

Toda essa situação acabava por acirrar ainda mais os ânimos. Não só do povo, mas também de pequenos grupos de fazendeiros que trabalhavam com a madeira e que passaram a ser prejudicados pela Lumber, isso só fez agravar o conflito entre os dois estados.

Vivendo em constantes dificuldades os sertanejos buscavam conforto espiritual nos monges que desde o século XIX andavam peregrinando pela região fazendo trabalhos sociais. Para aquele povo, os monges eram profetas, santos, messias enviados por Jesus Cristo para guiá-los em direção à salvação.

O primeiro monge a se destacar nas terras do Contestado foi João Maria de Agostini. Viveu ali por volta de 1850, era um homem simples que dava conselhos, rezava e curava doenças. Seus modos não agradavam o governo do Rio Grande do Sul que tinha medo que os caboclos, junto com o monge, formassem uma comunidade de fanáticos. Foi perseguido e preso e logo depois não foi mais visto. (FRAGA, 2006).

Passados anos de seu desaparecimento surgiu outro religioso que foi confundido com João Maria por ter o mesmo nome. É claro que não se tratava do mesmo, mas a crença daquele povo não deixava dúvidas, era o mesmo monge.

Mais moço, homem de ação, teve importante presença no final do século XIX, durante a Revolução Federalista. Da mesma forma que seu antecessor era visto como um homem santo. Desapareceu misteriosamente. Sem saber ao certo o que aconteceu, o povo acreditava que logo voltaria. (FRAGA, 2006).

José Maria, o mais famoso e conhecido monge aparece em 1911. Pouco se sabia sobre a sua vida e mesmo descobrindo que seu verdadeiro nome era Miguel Lucena Boaventura, os caboclos, continuaram seguindo-o, pois para eles, José Maria era o irmão de João Maria e viera para continuar a caminhada. Os sertanejos que até então viviam dispersos agora passam a viver juntos com ele.

Com fama de milagreiro recebe a proteção do coronel Francisco Almeida, como recompensa por ter curado sua esposa. Vivendo em terras do coronel e tido como homem santo, desperta desconfiança de lideres políticos. Além de profetizar ele era contra a República e sempre estava falando dos males que ela podia causar.

Por conta dos festejos do Bom Jesus, José Maria e seus seguidores foram para o arraial de Taquaruçu, onde fundaram a comunidade do Quadro Santo e proclamaram a monarquia celeste organizando um grupo de homens denominado de “Os pares de França”, que faziam a segurança da comunidade e do monge. Essa atitude incomodou ainda mais os políticos. Para eles os caboclos queriam restaurar a monarquia.

O então prefeito de Curitibanos, Francisco de Albuquerque, com medo de uma possível conspiração, enviou um telegrama para o governo do Estado, onde acusava José Maria de pregar contra o novo regime e de ser um líder messiânico.

A chegada da força policial dispersa o grupo. José Maria e alguns caboclos se refugiaram na Vila do Irani, o que provoca enorme confusão, pois aquela era uma área comandada pelos paranaenses. Essa atitude foi vista como uma invasão de catarinenses, que não poderia ficar impune, aumentando assim as disputas políticas na região.

No combate do Banhado Grande, apesar das tropas terem sido derrotadas pelos sertanejos, José Maria juntamente com alguns de seus seguidores foram mortos. Nessa batalha também faleceu o comandante Gualberto. A morte do religioso não foi motivo para tristeza, porque dias antes de “partir”, ele profetizou sua morte a seus seguidores, prometendo a eles sua volta. (THOMÉ, 2004).

Dispersos tomando rumos diferentes, o governo agora respirava aliviado, “não tem mais com o que se preocupar”. Mas na memória dos caboclos ainda estava presente a figura do monge e acreditavam no cumprimento da sua profecia.

A partir do segundo semestre de 1913, Teodora, neta do fazendeiro Euzébio Ferreira Santos, passa ter visões em que o monge lhe aparece. Isso foi o suficiente para atrair os devotos à região revigorando assim o messianismo com a esperança de ressurreição do monge.

A família do fazendeiro junto com os romeiros peregrinou em direção a Taquaruçu formando uma nova cidade santa, no qual organizaram o exercito encantado de São Sebastião.


Os caboclos sabiam bem o que queriam, organizados em comunidade, não aceitavam o novo regime, e estavam dispostos a lutar pela terra e contra o poderio dos coronéis e das multinacionais.

Os ânimos ferveram em Curitibanos. Toda essa movimentação deixou em pânico os políticos catarinenses, que pedem ajuda ao governo federal.

A partir daí o movimento se transformou numa cruel e sangrenta guerra civil. Para acabar com os fanáticos o Governo Federal não mediu esforços. Foram mobilizados cerca de 8 mil homens, com a missão de destruir a organização comunitária de 20 mil sertanejos expulsando-os das terras que ocupavam.

Em dezembro de 1913, Exército e polícia estadual marcharam em direção a Taquaruçu. Não tiveram êxito, os caboclos já estavam no mato a espera das tropas.

Para eles essa vitória significou a glória. Acreditando ter ajuda do Exército Encantado de São Sebastião, não temiam nada. A confiança era tanta que não se importavam com armas e munições que os inimigos deixavam para trás e acabaram queimando-as porque as consideravam “impuras”. (ANJELO, 2000).

No ano seguinte, na vila de Curitibanos, houve mais uma tentativa de acabar com os camponeses, sem bons resultados. Nesse período foi executado o líder comunitário Praxedes Gomes Damasceno. Para Thomé, o incidente ocorreu quando Damasceno tentava reaver uma tropa de mulas que fora confiscada pelos militares. Ainda para o autor, “Isso acirrou os ânimos na ‘cidade santa’, a ponto de expulsarem frei Rogério Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntamentos. ” (THOMÉ, 2004, p.80).

Isso nos faz refletir que, igualmente ao governo, a igreja católica além de sua ausência quase que total naquela área, se manifestava contra o messianismo que envolvia o movimento, defendendo a intervenção no território.

Por conta das agitações mais homens foram mobilizados para tentarem contê-los. Essa operação não foi bem sucedida, pois a maioria dos caboclos já haviam se retirado rumo a Caraguatá na noite de 8 de fevereiro de 1914, quando começou o bombardeio. Os que ficaram foram todos mortos.

Os combatentes organizaram-se novamente e passaram a ter uma atitude mais ofensiva. Elegeram a jovem Maria Rosa de 13 anos para ser a líder do Exército Encantado. Ela dizia receber ordens de José Maria, o que foi o suficiente para conquistar a confiança de todos.

Sabendo do novo reajuntamento os militares comandados pelo tenente coronel Capitulino Gomes Gameiro, atacaram Caraguatá no dia 9 de março de 1914. Mais uma vez os sertanejos não se deixaram abater. Além de serem conhecedores da região, o que fez com que tivessem uma boa vantagem sobre o inimigo, outro fator que contribuiu para essa e outras vitórias foram as táticas de guerra utilizadas para surpreenderem os inimigos. Eram usados homens chamados “bombeiros” que se disfarçavam de mendigos para entrarem no acampamento das tropas e poderem espioná-los, passando informações aos chefes dos redutos. Para amedrontar ainda mais os soldados eles costumavam pendurar a até esquartejar os cadáveres de soldados mortos. (THOMÉ, 2004). O impacto dessas práticas sobre as tropas foi de repulsa, e esses tinham os inimigos como “bárbaros”, principalmente pelo fato de que sendo cristãos acreditavam que através do enterro poderiam alcançar o descanso eterno. Diante dos corpos destroçados entravam em desespero, pois se viessem a falecer na batalha não poderiam ter um sepultamento digno. Um observador mais atento verá que não se tratava apenas em assombrar os soldados mas também o valor que a terra significava para os caboclos. Basta lembrar que eles chamavam os redutos de “cidade santa” e se a cidade é santa o território também é santo, assim os inimigos não poderiam repousar no território do “Exército Encantado” e ter o mesmo destino.

Diante de mais uma derrota, o governo Federal enviou mais homens, e nomeou o general Carlos Frederico de Mesquita como novo comandante.

A líder Maria Rosa ao perceber toda aquela movimentação, além de ser alertada por pessoas da própria comunidade, com receio de um novo ataque, não perdeu tempo e ordenou a retirada do povo para redutos menores nos quais se reorganizaram. Como enfatiza Nilson Thomé:

[...] Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3 mil homens e 2 mil mulheres, com o conselho de comandantes, formado pelos lideres dos piquetes – de – briga e chefes - de - redutos [...].

Nos dias 13 a 29 de maio de 1914 foram bombardeados Caraguatá e Santo Antônio. De nada adiantou, o que se encontrou foi uma área vazia, aumentando assim a frustração dos soldados.

Nos meses seguintes foram feitas patrulhas por toda área na tentativa de convencer os caboclos a se entregarem. Nesse mesmo período começaram a invadir fazendas, roubando-lhes gados e alimentos. A Lumber também foi alvo, sendo incendiado em 5 de setembro um de seus depósitos. (FRAGA, 2004). No dia seguinte atacaram o trem que havia chegado de São João trazendo militares e o capitão Matos Costa, que acabou sendo morto no confronto.

As populações das cidades circunvizinhas estavam apavoradas. Políticos dos dois Estados apelaram para o Ministério da Guerra que nomeou o general Setembrino de Carvalho para comandar a operação.

O general chegou a Curitiba no dia 12 de setembro e logo tratou de organizar o quartel-general. Como narra Nilson Thomé:

[...] Chamou seis regimentos de infantaria, dez batalhões de caçadores, três batalhões de infantaria, quatro regimentos de cavalaria, duas companhias de metralhadoras, um grupo de artilharia de montanha e um batalhão de engenharia, além de pelotões de trem, seções de ambulância e hospitais de sangue.

Pela quantidade de homens mobilizados, fica evidente que o Exército, ávido por acabar definitivamente com a guerra, não mediu esforços para usar todo seu poderio militar contra os resistentes, inclusive o uso da aviação que acabou não tendo sucesso porque o avião que ia ser usado na batalha caiu antes de chegar ao destino. Todo esse aparelhamento bélico foi utilizado contra os sertanejos que usavam apenas armas como: facão, revólveres, mosquetões e espingardas velhas.


A tática militar do general foi cercar os redutos de modo que os revoltosos não pudessem sair. Os combates passaram a ser diários e o cerco foi se apertando, resultando na falta de alimentos, munições e remédios. Para Thomé “A fome fez com que cavalos, cachorros, cintas, cangalhas, arreios e chapéus de couro cru servissem de alimento”. (THOMÉ, 2004, p.82).

Uma epidemia de tifo em dezembro de 1914, só fez agravar os problemas. Os últimos sobreviventes de Caraguatá desesperados começaram a desertar. Confiantes na promessa de anistia e poder adquirir titulo de propriedade, saíam dos redutos para juntar-se ao Exército. Preocupado com essa atitude, o líder Adeodato Manuel Ramos, passou a ameaçar de morte os companheiros. (ANGELO, 2000).

Mesmo com todo o seu arsenal as forças continuavam a sofrer numerosas baixas. Concentrados em Santa Maria e cada vez mais cercados, os sertanejos resistiram bravamente às investidas do capitão Tertuliano Potyguara no dia 3 de abril de 1915. Logo depois, o mesmo capitão, com ajuda de “vaqueanos”, conseguiu tomar o reduto do Timbó e do Caçador.

A expedição do general Setembrino, foi encerrada no dia 5 de abril, período em que morreram Maria Rosa, vários lideres e centenas de combatentes. Para mostrar todo seu poder as tropas não exitaram em queimar milhares de casebres. (FRAGA, 2006). Os que resistiram ao massacre se refugiaram em pequenos redutos.

Essa foi à fase mais cruel da guerra. Policiais juntamente com “vaqueanos”, para acabar de vez com os novos ajuntamentos, iniciaram a “operação varredura” no intuito de exterminar os sobreviventes. Fragilizados e com cada vez mais baixas, eram capturados e mortos. Muitas dessas execuções aconteciam de forma coletiva, e em seguida os cadáveres eram queimados.

No inicio de 1916 foi preso Deodato Manuel Ramos, último líder do Contestado. Vencidos pela fome e doenças e sem liderança os poucos que restaram renderam-se aos militares. Com o fim do conflito o que se viu foi um cenário desolador entre milhares de mortos, feridos e desertores.

Meses depois foi assinado no Rio de Janeiro o “Acordo limites”, pelos dois governadores, no qual foi dividido o território litigioso, pondo fim à disputa territorial.

A guerra do Contestado é um momento da História do Brasil, que como muitos outros, não foram descritos pela historiografia com clareza dos fatos, nem houve preocupação em privilegiar a fidelidade dos acontecimentos. Interesses individuais e especulações capitalistas direcionavam as ações do governo e do próprio Exército.

Com o desejo de colocar em prática o lema do novo regime “ordem e progresso”, o governo chegou ao extremo. Ao expulsar o povo de suas terras e entregá-las às empresas, o novo regime optou por ferrovias, madeireira, capital estrangeiro, estradas, portos e outros símbolos que representavam um modelo que ostentasse modernidade, como europeu.

A política pública capitalista implantada naquela região não incluía os camponeses. Ao retirar a terra dessa gente, negou-lhes direitos básicos, pois era dali que provinha a moradia, o trabalho o alimento, subsídios necessários para a sobrevivência humana.

A terra ainda é motivo de ocupações segundo o MST. Movimentos sem-terra estão por toda parte organizando invasões. A natureza política dos movimentos não pode ser homogeneizada. Cada qual possui uma ideologia individual, mas, em comum, buscam a terra.

Quanto ao Governo Federal por sua vez, ainda não conseguiu elaborar uma política pública ampla capaz de devolver a terra aos camponeses e a oferecer os meios para que os mesmos criem raízes e consigam se estruturar socialmente e economicamente.

O retorno à terra deve ser planejado, alvo de um estudo sistematizado e requere a intervenção direta do Estado oferecendo instrução, educação, saúde, lazer, recursos financeiros e inserção dos assentamentos no mercado global.















Referências

ANGELO, Cláudio. A guerra que o Brasil esqueceu. In: Super Interessante, São Paulo, ed. 152, maio 2000, p.44 - 50. Disponível em . Acesso em: 12 de jun. 2009 ás 14h

FRAGA, Nilson César. Mudanças e Permanências na rede ferroviária do contestado: uma abordagem acerca da Formação Territorial do Sul do Brasil. 2006. Tese (Doutorado em meio ambiente e Desenvolvimento), UFPR, Paraná. . Acesso em: 17 de Jun. 2009 ás 13h 45 min. p.64 - 91

THOMÉ, Nilson. Contestado, Guerra cabocla. In: História Viva. São Paulo, ano I, nº.12, p. 76 - 82, out. 2004.